sábado, 19 de janeiro de 2008

O COCO

Um homem – Roberto
Uma mulher – Marta
O outro – Luciano

Profissão de Roberto – Psicólogo – Conselheiro matrimonial. Dono de uma agência de casamentos.
Profissão de Marta – Artista Plástica – Professora universitária
O outro – Luciano – Chef de cozinha e dono do restaurante La Donna.

Roberto – 49 anos – nasceu em junho de 1959
Marta – 38 anos – nasceu em outubro de 1970
Luciano – 43 anos – nasceu em maio de 1965

“Casamentos” – Roberto – seis
Marta – nunca casou
Luciano – quatro

Luciano procurou a agência matrimonial, pois cansara de buscar alguém pela Internet e só tivera decepções. Estava só há três anos.
Marta conheceu Roberto, numa de suas caminhadas pela praia, o que fazia sempre ao fim da tarde.
Roberto, um pouco acima do peso, acabara de separar-se da sexta mulher e não agüentava morar só. Tirou férias. Já nem se lembrava quando havia sido a última. Gostava da alquimia da cozinha.
Marta deu um tempo das tintas e janeiro explodia em calor. Viajou. Escolheu o litoral paulistano e na barraca do coco viu os olhos azuis de Roberto.

Um sentimento de dó apoderou-se do peito de Marta e, sem saber por que abriu um sorriso ao ouvir Roberto reclamar que o coco estava oco. Não havia quase nada de água ali. Perdão senhor – disse o rapaz dos cocos e prontamente ofereceu-lhe outro. Já mais calmo Roberto olhou ao redor e viu o sorriso de Marta. Sorriso e olhos azuis são bons temperos. Claro que não foi isso que Roberto pensou, mas um bom observador pensaria. Rapidamente, como sabem fazer as mulheres, intimamente, Marta tirou o RX de Roberto: um homem caseiro, com hábitos imutáveis, bonito ainda, não afeito a esportes e musculação, capaz de se apaixonar, como se fosse a única vez, carente. Roberto também pensou: interessante, independente, bonita, apreciadora das coisas boas da vida e deve ser um tesão na cama. Eu quero. Uma incômoda ereção o atingiu.

Um toque leve nas costas acordou Roberto dos seus pensamentos. Virou-se e viu alguém que lhe pareceu familiar. Lembra-se de mim? Estive na semana passada na sua agência. Lembra? Sim se lembrou. O nome dele é Luciano. Aquele que procurava uma mulher entre 30 e 40 anos de idade, bonita, inteligente, independente. Um estranho pavor entrou no coração de Roberto. Naquele exato momento poderia ligar Luciano com a moça, de quem nem sabia o nome ainda, que lhe sorrira. Tinha experiência suficiente para saber que ali daria samba. Porém lembrou-se: estou em férias e não tenho obrigação profissional nenhuma com o intruso: assim o sentiu. Sabia que a moça já o tinha visto e também o acolhera, agora com sorriso no olhar. O pior de tudo é que Luciano também viu a moça e sem nenhuma cerimônia puxou conversa com ela.

Ora, Marta sabia que não era beleza padrão, mas sabia que era atraente o suficiente para brincar com aqueles dois. Seu sexto sentido percebeu que Roberto ficara enciumado e “ficou na sua”. A água do seu coco já terminara, mas Marta não queria sair dali. Queria mais. Foi então que Luciano lhe perguntou: - você gosta de peixe? Muito – respondeu. –Qual é o teu predileto? – Salmão – respondeu. Salmão grelhado com... ia dizendo Luciano. Não! Salmão cru – respondeu. Sei.... – disse Luciano e Roberto, apavonedo, logo lhe foi perguntando: - você é casada? – Não – por que seria? – Você mora aqui? – Não! – O que você faz? – Sou artista plástica. – Quer me pintar? – Já pintei – respondeu Marta com um sorriso maroto. – Como você me pintou? – Como um coco oco. – Não sou um coco. – Sei que não. - Então... – Então, na minha tela você é o Senhor o Tempo. Acalmou-se Roberto. Era a vez de Luciano. Os três ali conheciam o respeito. – Qual o teu nome? – Marta. – e vocês? – Roberto. Luciano. Pronto! Todos nomeados. Por que você nunca se casou – perguntou Roberto. Por que minha vida caminhou por estradas que me levaram para caminhos outros. – Que outros? – perguntou Luciano. – O da arte, o da vida interior. Vocês entendem? Não, acho que não. Não importa! Que diferença faz? Não sou contra o casamento. Ainda posso me casar. Só não sei com quem e vocês?

- Vamos caminhar? – disse Roberto. – Vamos responderam os dois em uníssono.

Caminharam os três em silêncio até a beira do mar. Para a esquerda ou para a direita – perguntou Luciano. – Para a esquerda – respondeu Marta. E lá se foram. Continuaram caminhando mais um tempo em silêncio. Eram grandes, adultos e sabiam que qualquer passo em falso quebraria a magia. Já existia cumplicidade entre eles. Sabiam que eram ganhadores e perdedores, mas o sofrimento da perda teria que ser evitado de qualquer maneira. A cabeça de Marta voltara à sua Oficina de Obras. Era lá que se sentia absolutamente segura. Só Deus e ela. Tá certo que um Deus Absoluto, embora não acreditasse nas loucuras da Bíblia. Via a Bíblia como um livro de histórias, assim como “As Mil e Uma Noites” e “O Livro dos Mortos”. Acreditava apenas na vida. Nesta vida maluca e na sincronicidade que vivia agora. Luciano e Roberto. Com qual dos dois faria sexo? Com os dois. Um de cada vez. Uma história de cada vez. Era tímida. Além do mais, o sexo não lhe interessava tanto quanto a plasticidade dos dias.

Roberto pensava nos seus filhos. Todos bem encaminhados. Eram quatro. Sobreviveram à sua ausência e presença de vez em quando. O mais velho estava com quase trinta anos. Era designer de alguma coisa. A mais novinha tinha apenas seis anos de idade. Linda! Esperta! Percebeu-se em crise. Remoia dentro de si perguntas como: - o que é casamento? Só morar junto? Criar filhos para o futuro? Que futuro? Vida eterna? Como lhe ensinaram um dia? À beira dos cinqüenta já percebera que a vida não era eterna. Já estava p’rá lá da metade da vida e suas crianças cresceram e cresciam e seus pais já morreram. Que saudade!

Luciano tem dois filhos. Nasceram na década de 90 do século XX. Um tem dezesseis anos e o outro, filho da Patrícia, tem dez. Breno tem 16 e Patrick tem nove anos. Breno é emo e Patrick entende tudo de computação. Luciano procura acompanhar as ilusões e cozinha, buscando no coentro o segredo da vida. E agora essa Marta que traz na pele um cheiro de alecrim.

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