sábado, 24 de novembro de 2007

Com Deus não se brinca. Com esse pensamento Jacinto montou no cavalo e saiu daquela terra para sempre. Arriscou um olhar para trás e viu a chaminé do casebre fumegando sob o céu azul. Doía um pouco o peito. Afinal deixara seis bocas pequenas, uma mulher triste e o arado encostado à parede. Jacinto sabia que nunca mais para lá voltaria. Lágrimas insistiam em escorregar no rosto do jovem. Ainda não tinha trinta anos. Tinha sonhos o Jacinto. Ouvira falar de um lugar onde dinheiro jorrava de uma fonte eterna. Era para lá que Jacinto queria ir. É claro que não conhecia o caminho. Alguém iria lhe indicar nas quebradas da noite – pensava. A tarde começou a descer, cansado e faminto o homem tirou a rapadura da sacola amarrada no lombo do cavalo. Onde iria dormir? O céu rosado apontava as folhas de uma grande árvore. Sim! Lá passaria a noite Jacinto. Sob a copa protetora daquela árvore. Dormiu Jacinto.

O lençol de seda verde-musgo macio afagou o corpo do homem, acostumado a dormir sobre o algodão de Maria. Veio uma terra pingar-lhe os cabelos. Cabelos longos e oleosos, diferente da seca da alma. Sentiu-se em paz. O beijo de Maria Rosa ele tentou prender, mas Maria Rosa foi buscar lenha para o fogão. Tinha que cozinhar o amor de Jacinto.

Raiou o dia. Continuou Jacinto na estrada. Ainda a aridez que, achava ele, nada lhe dizia, pois Jacinto só queria ir. Não sabia para onde e não estava perdido. O corpo acusava ereção e Jacinto só pensava na flor e nos rebentos que deixara para trás.

Maria Rosa ficou doendo, mas não podia parar para pensar. Não sabia pensar. Só sabia viver. Tinha uma ausência nas mãos parecida com o coração batendo no ritmo da vida e nem se dava conta disso. Maria Rosa sabia que Jacinto doía e continuou cozinhando todos os dias a ausência de Jacinto.

Caminhou, caminhou, caminhou com a mula Jacinto. Outra noite chegou. Agora nenhuma árvore no caminho. Onde durmo, em qual pouso deixarei minha carcaça dormitar? Ainda tinha farinha na bolsa da mula e um pedaço de coco noutro bolso seu. Comeu. Dormiu. A rodovia lá fora passava em caminhões de carga. Na periferia de si resolveu descartar-se da mula. Não sem antes estender a toalha dos sonhos.

Da toalha veio um som de voz: “Jacinto aonde vai?” Vou para onde a vida me levar. Há de me levar a um consolo de águas azuis e a painéis escondendo construções citadinas, numa espécie de feijão com arroz nos almoços das obras e miragem de loterias nos meus desejos. Quando eu era menino corria nu na seca e via minha mãe e meu pai ardendo no sol. Um dia desceu um anjo do céu e lhes disse: “Jacinto é especial. Será doutor de almas”.

Ao acordar pegou carona no primeiro caminhão carregado de nada, que se dirigia ao sul. O motorista falava uma língua estranha, cantada, era loiro e sardento. Braços fortes, acostumados a carregar pesos. Contou-lhe da mulher e filhos, da casa de madeira, da periferia da cidade, de um grande amor que não vivera.

Jacinto também amou um amor não vivido. Quase não lembrava mais dele. Daquele amor que lhe despertou. Ela casou-se com outro e isso quase o matou de tristeza. Até que apareceu Maria Rosa. O silêncio de Maria Rosa o conquistou e em seu silêncio procriou os meninos. Em seu silêncio deixou-o partir.

Agora Jacinto só tem medo, mas continua indo. Com o coração fechado.

Nenhum comentário: