sexta-feira, 2 de novembro de 2007

Corri para entrar no prédio. Os tiros estavam atrás de mim. Elas não sabiam, mas eu pressentia as memórias que tinham e com olhos invisíveis de águia protegi-me. Corri. O elevador não chegava nunca. Toquei o botão várias vezes, como se isso o fizesse chegar mais rápido. Quando vi já estava dentro do apartamento. Passei por cima da caixa de papelão vazia, pronta para guardar minha mudança. Eu sabia que seria definitiva (até a próxima). Ele me deixou na noite de lua cheia. Num calor beirando 40 graus. Acendi a luz e topei com o computador. A cozinha cheirava a peixe. Fui me despindo de mim, enquanto aguardava a tempestade que o céu anunciava. As plantas murchavam por falta de água. Meus braços entorpecidos recusavam-se a acompanhar meus pensamentos. Eu não sabia se estava viva ou morta. Quando tirei a última peça de roupa olhei-me no espelho. Não me vi. Olhei os livros. Cada vez menos. Doei-os, vendi-os, emprestei-os para amigos e não sei a quem mais. Senti o estômago estranho. Acho que queria comida, mas eu não. O bombardeio lá fora continuava. Elas não sabiam que eu estava ao lado dele. Também não sabiam que eu estava sempre muito mais ao lado das palavras delas do que das dele. Elas não sabiam. Mas eu sabia, as via e encontrava semelhanças. Ora era uma caranguejada, outra hora um sapo, outras um “tira a roupa” ou “quando vou te comer de novo?” As fulanas, beltranas e cicranas não eram ciganas como eu. Nenhuma era poetisa e nem tinham a estrela na testa. Possuíam lá suas artes. É certo. Cantavam, pintavam, psicologizavam e davam aulas, mas não sabiam segurar a bala perdida. A velocidade do tiro era menor que minha paciência de Jó. O corpo suado dele anunciou que estava partindo mais uma vez. Só um “obrigado!” O boné do exército alertou-me que ele estava indo para a guerra. Eu fixa na minha trincheira aceitei. Foi por isso que o matei.

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